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  As Pinhas do S. João, os Vasos e as Cancelas.

          AS PINHAS DO S. JOÃO

A fogueira, um dos maiores símbolos da festa Junina, é uma tradição que remonta à cultura egípcia tendo a partir da idade média ganho maior expressão. Atualmente encontra-se enraizada por quase todos os pontos do globo compreendendo duas vertentes, a pagã e a religiosa.

 

No Antigo Egipto a tradição pagã de celebrar o solstício de Verão e a consequente chegada da época de colheitas implementou a fogueira como símbolo destas celebrações e ao mesmo tempo cultuavam-se os deuses do Sol e da fertilidade. Com o domínio Romano sobre os Egípcios, essa tradição foi espalhada por todo o império romano permanecendo até aos nossos dias.

 

A igreja católica cristianizou depois este costume com base num acordo entre Maria e a sua prima Isabel que se encontrava grávida de S. João Batista. Para avisar Maria do nascimento de S. João e assim obter ajuda depois do parto, Isabel acenderia uma fogueira. Assim a fogueira tornou-se nalguns países o símbolo do seu nascimento.

 

Também em Constantim se acendia a fogueira de S. João até há alguns anos atrás. Uma fogueira tão grande quanto possível em volta da qual as pessoas se juntavam cantando quadras enquanto os rapazes pulavam sobre as chamas que serpenteando se elevavam no ar rasgando a escuridão até se dissolverem nela e que eram alimentadas pelas murras crepitantes de onde constantemente saltavam tonas inflamadas. A alegria espelhada nas faces das pessoas contagiava a noite.

 

Mais recentemente, a utilização de balões de papel de ar quente, está relacionada com os efeitos visuais da fogueira e a tentativa de levar mais alto os desejos formulados a S. João.

 

Até à minha juventude, lembro-me de na noite de S. João eu e os outros rapazes da minha idade andarmos com um pau na mão levantado ao alto, onde havíamos espetado uma pinha. Depois era só atear-lhe fogo e andar ou correr pelas ruas, todos satisfeitos, com aquele pedaço de luz e fogo.

 

Durante o dia, tínhamos o cuidado de correr as matas à procura das maiores pinhas e depois à noite era uma alegria iluminar as ruas e ver aqueles focos de luz ondulante a rasgar a noite. Como em todos os lados também aqui havia engenheiros e então discutiam-se técnicas para conseguir manter a pinha espetada o máximo de tempo possível sem que a pinha flamejante rolasse no chão gastando as últimas réstias de matéria combustível na borda da rua.

 

Nunca soube o significado desta tradição que se perdeu na teia dos tempos modernos, nem quando ela começou em Constantim, mas provavelmente simboliza a utilização dos balões de ar, que devido à falta de recursos económicos levou à sua substituição pelas pinhas inflamadas e desta forma distribuía-se pelas ruas um pedaço da fogueira, o que significaria distribuir pela aldeia votos de boas colheitas.

 

Na aldeia, o ar inebriava-se de som à medida que as quadras saíam das gargantas mais ou menos afinadas dos habitantes tornando o escuro da noite mais suave e convidando a festa a prolongar-se noite dentro.

 

Para não caírem por completo no esquecimento, transcrevem-se algumas das quadras que alegravam a noite de S. João.

 

 

- Refrão -

Arrepenica, arrepenica, arrepenica,

O S. João a suar em bica,

Arrepapoila, arrepapoila, arrepapoila,

O S. João a tocar caçoila.

 

 

- Refrão -

E não há nada, não há nada, não há nada,

O S. João a comer "selada",

E não há "munto", não há "munto", não há "munto",

O S. João a comer presunto.

 

 

S. João p’ra ver as moças,

Ai, fez uma fonte de prata,

As moças não foram lá,

S. João todo se mata.

 

 

S. João e mais S. Pedro,

Foram ambos à faneca,

S. Pedro comeu mais uma,

S. João foi-lhe à careca.

 

 

Donde vens ò S. João,

Donde vens tão molhadinho,

Venho da beira do rio,

De baptizar o menino.

 

Oh meu lindo S. João,

Oh meu lindo marinheiro,

Levai-me na vossa barca,

Para o Rio de Janeiro.

 

 

S. João adormeceu,

Nas escadinhas do coro,

As moças deram com ele,

Depenicaram-no todo.

 

 

S. João e mais S. Pedro,

Foram ambos dois compadres,

S. João leva a bandeira,

E S. Pedro leva as chaves.

 

Viva o arco, viva o arco,

Viva a iluminação,

Nós também queremos que viva,

O Batista S. João.

 

Orvalheiras, orvalheiras, orvalheiras

E viva o rancho das mulheres solteiras,

Orvalhadas, orvalhadas, orvalhadas,

E viva o rancho das mulheres casadas.

Orvalhudas, orvalhudas, orvalhudas

E viva o rancho das mulheres viúvas.

 

Outras quadras seriam certamente cantadas, mas nem todas lembram no momento. O certo é que entre os moradores havia confraternização estando todos unidos no mesmo propósito, aproveitando os namorados para prolongar os seus encontros, "conversando" durante um pouco mais de tempo.

 

          O DESAPARECIMENTO DOS VASOS

 

Por alturas do S. João, embora sem dia certo ou melhor, sem noite certa, quando a noite já bem adiantada, convidava os habitantes de Constantim a recolher a casa, era a altura ideal para um diferente grupo de foliões Sanjoaninos iniciarem as suas surtidas noturnas. O destino? O mesmo todos os anos. As varandas dos moradores.

 

Aguardando pacientemente que todos recolhessem a "Vale de Lençóis", restaurando o corpo depois de mais um dia de trabalho árduo,  entravam eles em cena, sorrateiros, disfarçados de escuro e diluindo-se na noite como se fossem ninjas. Com a precisão do relógio e a rapidez do lince, as varandas eram desprovidas de vasos, tantos quantos lhes apetecesse para depois aparecerem na exposição botânica organizada no adro da igreja.

 

Habitualmente o “roubo” dos vasos ocorria na semana anterior ao Domingo mais próximo do dia de S. João, de maneira que no Domingo de manhã quando se ia à missa, deparava-se com as pessoas apreciando a exposição botânica, que incluía as suas espécies prediletas. Às vezes era uma surpresa outras já tinham dado pela falta dos vasos e havia um só sítio para procurar. Terminada a missa havia que cumprir a missão da recolha e lá iam as pessoas de vaso nas mãos para casa, tendo às vezes que fazer o percurso mais que uma vez.

 

Parece que esta tradição, em tempos mais recuados, se cumpria roubando apenas os vasos das casas onde havia raparigas solteiras. O passar dos anos encarregou-se de ir adulterando esse princípio alargando os privilégios de ser roubado a qualquer varanda, janela, quintal, quinteiro ou beco que exibisse plantas em vaso

 

 

          O DESAPARECIMENTO DAS CANCELAS

 

Também por volta do S. João, havia uma outra tradição que todos os anos se cumpria, mas que há já muito tempo não dá sinais de vida.

 

Por norma, todas as entradas para os terrenos de cultivo, tem uma cancela a vedar a entrada. Não é que sirvam para barrar a passagem, mas as pessoas respeitavam.

 

Mas por alturas do S. João, pela calada da noite, o “insólito” acontecia. Quando as pessoas se dirigiam aos seus terrenos, ou não encontravam as cancelas, ou encontravam colocada, a cancela de um outro proprietário. Nas situações mais extremas, as cancelas eram deixadas à entrada da aldeia ou apareciam penduradas em árvores, chegando às vezes a desaparecerem por semanas.

 

 

Figura 256 – Tres tipos de Cancelas usadas em Constantim.

Não era uma situação agradável de encontrar, mas também não lesava assim tanto. Era apenas um pouco desagradável. No final, o que aconteceu à cancela do vizinho, acabava por ser motivo de risada.

 

Agradável ou desagradável, não deixa de ser uma tradição e que portanto faz parte da nossa etnografia e da nossa identidade de Constantinenses, por isso não deixo pois de lamentar a sua perda.

 

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