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  Serrar da Velha.

A tradição do “Serrar da Velha”, a “Serra S’Abelha” como é conhecida em Constantim, é uma antiga tradição que não se pode precisar a que período remonta, sabendo apenas que nos princípios do século XVIII já existiam registos a relatar estes festejos.

 

O “Serrar da Velha” cumpria-se na noite de Quarta-Feira da terceira semana da Quaresma e segundo se crê baseia-se no desagrado da juventude que desta maneira se manifestava contra as tradicionais restrições alimentares e penitências ligadas à Quaresma, reivindicavam maior liberdade nos namoros já que as raparigas eram reprimidas e subjugadas por mães, avós, tias e madrinhas que se intitulavam guardiãs da honra e bons costumes, incentivavam um modelo feminino mais livre e também aliviar tensões sociais entre gerações.

 

Representava pois uma pausa nos rigores da vida quotidiana de outros tempos em que até os habituais bailaricos eram proibidos durante a quaresma e como tal, a juventude precisava de libertar uma parte das suas energias.

 

Em Constantim, tanto quanto me lembro cerca da meia-noite de Quarta para Quinta-Feira na terceira semana da Quaresma, os rapazes saíam à rua armados de todo o tipo de peças metálicas que servissem para arrastar fazendo barulho, bem como estadulhos, paus ou peças metálicas que servissem para bater de forma a obter-se o máximo barulho possível. E assim corriam as ruas batendo e arrastando os pandeiros extravasando a sua alegria envolvidos num espantoso e ensurdecedor ruído. Não havia, rua, viela, travessa, caminho, passadiço, beco ou recanto onde se não fosse dar umas pauladas nos objetos metálicos que se arrastavam, quer fossem bidons, latas, púcaros de nora, chapas metálicas, cântaros velhos e todo o tipo de farranchos que fosse possível arranjar. Importava era fazer barulho até fazer levantar os cabelos.

 

Depois paravam à porta das mulheres mais idosas e arranjando forças batiam ainda com mais força ao mesmo tempo que cantavam:

 

Serra S’abelha,

Quem será ela,

É a Ti Cascamilha,

Que é a mais velha.

 

Ou pelas palavras ou pelo barulho, isso irritava as sábias anciãs da aldeia que já estavam muitas vezes prevenidas pois à semelhança de anos anteriores, já calculavam que a música desajeitada dos pandeiros lhe ia chegar à porta.

 

Como tal, de vez em quando saía das janelas um balde de “lavagem”, (em Constantim pronuncia-se labaije), composto de todo o tipo de restos alimentares, que serviam para alimentar normalmente os porcos e que era atirada para cima dos "profissionais do pandeiro", quando não acontecia pior, como por exemplo uma penicada de líquido malcheiroso, resultante da satisfação de necessidades fisiológicas de caráter líquido.

 

Naquele espírito e parando a tocar em vários sítios, a noite acabava por passar e no dia seguinte já nada se passava e tudo voltava à normalidade.

 

Lamentavelmente o que sabemos é que esta tradição em Constantim, ao contrário de noutras localidades de Portugal e da Europa acabou por sucumbir nas malhas do progresso dando a juventude preferência a outras ocupações e esquecendo que também há tempo para reviver os tempos antigos quando as possibilidades e oportunidades não eram as mesmas. Afinal fazem parte do passado de todos e da nossa identidade própria.

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