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  Os "Pitos" de Sta. Luzia.

Diz o povo que os doces que fazem jus a esta tradição foram inventados por uma noviça de nome Maria Ermelinda Correia e que mais tarde viria a ser a Irmã Imaculada de Jesus. Natural de Vila Nova, Ermelinda tinha o defeito de ser muito gulosa o que obrigou os pais a enclausurá-la no Convento de Sta. Clara de Vila Real tendo sido proibida de comer coisas doces na tentativa de transformar o seu defeito em virtudes.

 

Além das lides habituais da clausura, Ermelinda ajudava a tratar os males da vista aos doentes que buscavam auxilio no convento. Os curativos cingiam-se a pedaços de pano-cru com linhaça no interior. As pontas dos pedaços de pano eram dobradas em direção ao centro, para melhor reter a papa de linhaça. Talvez por tratar dos olhos dos pacientes, tornou-se fervorosa devota de Sta. Luzia.

 

Sta. Luzia foi uma mártire do Século IV, a quem além de outras sevícias, lhe foram arrancados os olhos, tendo depois voltado a aparecer colocados no seu devido lugar. Acabou por sucumbir depois de lhe cortarem a cabeça. Tinha decidido permanecer virgem e viver em castidade e santidade apesar de ter prometido casamento, quando teve uma visão de que sua mãe, pela sua fé, se encontrava curada de uma grave enfermidade. O noivo com raiva denunciou-a às autoridades, sujeitando-a a cruéis torturas até finalizar na sua morte. Pelo facto de os seus olhos terem voltado ao seu lugar passou a ser a padroeira dos cegos e outras coisas da vista.

 

Ermelinda, quando um dia aplicava pensos de linhaça nos olhos dos doentes, teve uma visão sobre como satisfazer o seu desejo de guloseimas. Logo que pode correu à cozinha e fez massa de farinha e água, cortando-a em pedaços pequenos. Com o “cibo” de açúcar que lhe davam, fez uma compota de “calondra” com os restos que haviam sobrado e aos quais juntou canela. À imagem dos “pachos de linhaça” que fazia para aplicar nos olhos dos doentes, dobrou os cantos da massa para cima da compota com as pontas em direção ao centro e levou ao forno a cozer. Depois apressou-se a esconde-los pois estava proibida de comer doçuras. Quando recolhia à sua cela para se refastelar, encontrou no caminho a madre superiora que perguntou o que levava no tabuleiro ao que Ermelinda responder que eram pachos de linhaça para os doentes que viriam no dia seguinte, coisa que a madre não podia contestar pois era cega.

 

À noite na escuridão da sua cela acalmou a sua gula deliciando-se com os seus doces e sossegou a alma pois sempre tinha ouvido dizer que “do que não se vê, não se peca”.

 

Esta iguaria gastronómica perdura até aos dias de hoje e recebeu o nome de “Pito”.

 

Mas de onde vem a associação que se faz nas expressões maliciosas referentes ao “Pito”? Será do aspeto entreaberto que adquire depois de confeccionado?

 

Segundo o blogue http://etnografiatransmontana.blogspot.pt/2014/06/em-busca-da-freira-gulosa-maria.html encontram-se antigas memórias do culto a Sta. Luzia no Norte da Europa, no dia 13 de Dezembro, em que jovens empunhavam círios e anunciavam a proximidade do solstício de Inverno.

pitos de Sta. Luzia

 

Figura 278 – Pitos de Sta. Luzia

 

O solstício de Inverno era comemorado como sendo o dia da fertilidade, escolhendo muitas virgens essa data para perderem a virgindade assim como muitas mulheres tentavam engravidar nesse mesmo dia (in http://www.vivendodaluz.com/PT/articles/solsticio_de_inverno.html). É pois natural que estes festejos se enchessem de referências à sexualidade e à fertilidade.

 

Por outro lado, no blogue “etnografiatransmontana” citado em cima, refere relativamente à criadora dos “Pitos” que era uma freira de gulodice desmedida ao ponto de merecer o enclausuramento. Mesmo as severas regras de conduta do mosteiro não foram suficientes para lhe apagar o pecado da gula, incentivando-a antes a “pensamentos perversos” ao ponto de engendrar em segredo a confeção de um doce. Mente depois à Madre Superiora e infringe as regras impostas, satisfazendo-se às escondidas na escuridão da sua cela, tendo por base o pensamento que sempre ouvira: “Do que não se vê, não se peca”, fazendo sobressair uma certa falta de pudor e sexualidade implícita, razão que a levava a não usar o cognome de Imaculada de Jesus, pois andava de braço dado com o pecado.

 

Após estas considerações, vá-se lá saber por que razão o povo salpicou de malícia o doce criado por Ermelinda e porque lhe chamam “Pitos de Sta. Luzia”, pois o correto seria atribuí-los a Maria Ermelinda. Talvez o dia de Maria Ermelinda se comemore no dia 13 de Dezembro, dia de Sta. Luzia, por ser devota desta santa, e por isso lhe deram esse nome.

 

pitos de sta. luzia

 

Figura 279 – Pormenor do Pito de Sta. Luzia.

O certo é que na linguagem popular, os órgãos genitais têm uma infinidade de nomes, que se na zona de Vila Real, podem chamar-se entre outros, “Pito” aos genitais femininos e “Gancha” aos masculinos, em Guimarães por exemplo, onde existem as mesmas celebrações e com os mesmos rituais e referências à sexualidade, os genitais ganham os nomes de “Sardão” no caso dos masculinos e “Passarinha” no caso dos femininos embora o doce tenha confeção diferente.

 

Estes rituais de troca, carregados de referências eróticas, convivem com o intenso fervor religioso patente nos beijos dados na imagem da Santa, nos olhos que segura numa bandeja e no passar pelos olhos dos crentes, das fitas e vestes que ostenta no sentido de obter proteção ou cura.

 

Se outrora os “Pitos” eram vendidos exclusivamente no dia de Sta. Luzia, atualmente encontram-se à venda em todos as pastelarias de Vila Real. Também em tempos mais recuados, em que as conversas abertas sobre a sexualidade eram completamente vedadas principalmente às raparigas, a necessidade de um escape era pois evidente e por isso, nesse dia as expressões insidiosas em torno dos “Pitos” e “Ganchas” eram também mais comuns e obviamente encaradas com naturalidade.

 

Atualmente a total abertura entre ambos os sexos tende a acabar com esse gracejar erótico, e portanto a necessidade de ir à Sta. Luzia para a namorada oferecer o “Pito” ao namorado para depois este lhe oferecer a “Gancha” de volta, já quase se perdeu e apesar de muito perto de Constantim, já poucas são as pessoas que ainda fazem essa peregrinação à Sta. Luzia.

 

É mais uma tradição que tende a apagar-se levando consigo os gracejos eróticos, que há alguns anos atrás, diga-se em abono da verdade, se tornava agradável ouvi-los.

 

-“Hoje vou à Sta. Luzia, p’ra dar o “Pito” ao meu namorado”.

-“Se fores à Sta. Luzia, não te esqueças de dar o “Pito” ao teu marido”.

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