A Vela.
As velas, utilizadas na atualidade como mero adorno, foram durante séculos a única fonte de iluminação disponível, estendendo-se a sua utilização até ao século XX.
Por toda a idade média as velas utilizadas eram feitas de sebo e como tal libertavam muito fumo e exalavam um odor desagradável, passando nos finais da idade média a ser feitas em cera de abelha. O problema era a cera disponível não ser suficiente para responder à procura, pelo que encarecia o produto, não estando pois ao alcance de todos.
Figura 295 – Velas de sebo de fabrico artesanal e industrial.
De uma forma ou de outra, as velas eram consideradas um artigo de luxo. De acordo com as possibilidades, as velas eram colocadas em castiçais, que suportando mais que uma vela, melhoravam a iluminação do ambiente.
A luz emitida pelas velas dependia da matéria-prima utilizada, e como a luz das velas de cera era mais intensa, gradualmente a preferência dos consumidores voltou-se para as de cera. Obviamente as populações mais carenciadas continuavam a utilizar as velas de sebo.
Continuando a ser um produto caro face às magras possibilidades da maioria dos habitantes, desenvolveram-se técnicas de fabricação especialmente para essa camada da população a preços mais acessíveis, havendo também quem as fizesse em sua casa.
Com a chegada da iluminação a gás a procura de velas baixou o que motivou também a descida dos preços.
Já em 1811, o químico Francês Michel Eugene Chevreul, verificando que o sebo era formado por dois ácidos gordos ligados à glicerina, decidiu retirar este componente obtendo a estearina, mais rija, com combustão mais lenta, libertando menos resíduos e obtendo uma chama mais intensa.
Com a introdução do petróleo nos mercados, obteve-se um derivado, a parafina, que associada à estearina originou velas como as que se usam atualmente.
Até meados do século XX, ainda as velas de sebo se utilizaram em Constantim, quer de forma isolada quer em conjunto com as candeias e com a lareira. Obviamente a maioria das casas não tinham outras divisões que não os quartos, por isso a iluminação principal era fornecida pela chama da lareira. A vela ou a candeia serviam para levar alguma luz onde a chama da lareira não chegava.
O facto de a estrutura da maioria das casas ser simples, normalmente com uma divisão maior a compreender sala e cozinha e quase sempre sem forro, para que o fumo das lareiras se escoasse com facilidade, agravava as condições de visibilidade.
Agora é imaginar a precariedade em que se executavam as tarefas caseiras, tanto os homens nos arranjos necessários, como as mulheres nas lides diárias. Embora os Domingos, enquanto havia sol, estivessem reservados para trabalhos de costura, (cozer fundilhos, entrepernas, bainhas, colocar remendos, etc.), ainda havia necessidade de fazer renda, tricotar meias e outras peças de roupa (fazer malha), remendar o que se pudesse aproveitar, virar golas de camisas já gastas, pontear meias e tantos outros trabalhos que nem passam pela cabeça d’um tinhoso.
Imaginem ainda, além de tudo isto, ter que tratar de crianças, que contrariamente aos tempos atuais, quase sempre corriam pela casa ou eram ainda bebés exigindo cuidados multiplicados várias vezes.
Figura 296 – À luz da vela. Cena do filme “Jane Eyre”.
É claro que não será muito fácil imaginar tudo isto, principalmente se recordarmos que tudo se processava com a luminosidade da imagem anterior. Ao fim de um dia de trabalho, o desalento e o cansaço tomavam integralmente conta dos Constantinenses em especial das mulheres. E era de tal forma vincado que nem a obscuridade do lar conseguia esconder.
Figura 297 – Fim de um dia de trabalho, à luz da vela.
As velas, normalmente apoiadas em castiçais simples, forneciam a luz possível no interior das habitações, mas como o dinheiro não abundava, a criatividade sobrepunha-se ao design e à decoração, utilizando-se pratos, chávenas, pedaços de madeira, boiões de vidro já vazios, garrafas reutilizadas e muitos outros objetos, variando de acordo com a disponibilidade e o gosto.
No entanto, situações havia em que era necessário sair da habitação para efetuar esta ou aquela tarefa e aí, a trémula e frágil luz da vela, ameaçava estatelar-se no chão à mais pequena corrente de ar.
Nestes casos utilizavam-se dispositivos chamados lanternas que protegiam a chama, permitindo assim ir ao palheiro, ao quintal ou à adega, sem que a escuridão semi rasgada pela chama da vela, eliminasse abruptamente todo o campo de visão ao sabor de uma furtiva corrente de ar.
E quantos jovens estudaram sob esta mesma luz?
À luz da vela houve Constantinenses que nunca aprenderam a ler, porque a intransigência e severidade da vida não lho permitiu.
Figura 298 – Lanterna.
À luz da vela houve Constantinenses que aprenderam a ler embora o rigor da vida não lhe tenha permitido ir mais além. À luz da vela, houve quem fizesse a 4ª classe, quem fizesse o ciclo preparatório e quem tirasse um curso comercial ou industrial. À luz da vela, houve também quem se fizesse professor, engenheiro, padre e doutor, dependendo tudo não só da vontade mas também das oportunidades e “posses” de cada família.
Figura 299 – Estudar à luz da vela.
Durante centenas de anos, a mesma iluminação, a mesma escuridão que todos os dias se abatia impiedosamente sobre a aldeia, a mesma falta de oportunidades, mas o mesmo mistério e encanto quando se atravessava o pesado manto da noite caminhando firme sem que os pés, que conheciam bem o destino, pisassem uma única vez em falso.
Quando a lua se erguia no firmamento, vigiava do alto como um anjo da guarda, não permitindo nunca que se caminhasse sozinho, por isso projetava-lhes a sombra para que se caminhasse lado a lado e ao mesmo ritmo.
Durante centenas de anos o mesmo uso, o mesmo costume o mesmo hábito de acender o pavio da vela para obter uma luz fraca, trémula e vacilante, mas a única disponível para ajudar a entreabrir as pesadas portas da noite.
-
.
.